Em 1908, o jovem Zélio Fernandino de Moraes estava com 17 anos e havia concluído o curso propedêutico (equivalente ao atual Ensino Médio). Zélio preparava-se para ingressar na Escola Naval, quando fatos estranhos começaram a acontecer.
Às vezes, ele assumia a estranha postura de um velho, falando coisas aparentemente desconexas, como se fosse outra pessoa e que havia vivido em outra época. Em certas ocasiões, sua forma física lembrava um felino lépido e desembaraçado, que parecia conhecer todos os segredos da natureza, os animais e as plantas.
Esse estado de coisas logo chamou a atenção de seus familiares, principalmente porque ele se preparava para seguir carreira na Marinha, como aluno-oficial. As coisas foram se agravando e os chamados “ataques” repetiam-se cada vez com maior intensidade. A família recorreu então ao médico Dr. Epaminondas de Moraes, tio de Zélio e diretor do Hospício de Vargem Grande.
Após examiná-lo e observá-lo durante vários dias, encaminhou-o à família, dizendo que a loucura não se enquadrava em nada do que ele havia conhecido, ponderando ainda, que seria melhor levá-lo a um Padre, pois o “garoto mais parecia estar endemoniado”. Como acontecia com quase todas as famílias importantes, também havia na família Moraes um Padre Católico. Por meio desse sacerdote, também tio de Zélio, foi realizado um exorcismo para livrá-lo daqueles incômodos. Entretanto, nem esse, nem os dois outros exorcismos realizados posteriormente, inclusive com a participação de outros Sacerdotes Católicos, conseguiram dar aos Moraes o tão desejado sossego, pois as manifestações prosseguiam, apesar de tudo. A partir daí, a família passou a correr atrás de toda e qualquer melhora, ou maior informação que trouxesse a esperança de uma solução para seu filho querido.
Depois de certo tempo, Zélio passou alguns dias com uma espécie de paralisia, quando, repentinamente, se levantou e se sentiu completamente curado. No dia seguinte, voltou a caminhar como se nada tivesse ocorrido. Sua Mãe, Dona Leonor de Moraes, levou-o a uma Curandeira, muito conhecida na região, Dona Cândida, que após varias rezas, sugeriu que “isso era coisa de Espiritismo”, e que o melhor era encaminhá-lo a recém fundada Federação Kardeccista de Niterói, município vizinho àquele que residia a família Moraes, ou seja, São Gonçalo das Neves. A Federação era então presidida pelo Sr. José de Souza, chefe de um departamento da Marinha, chamado Toque Toque.
O jovem Zélio foi conduzido em 15 de novembro de 1908 a mesa na presença do Sr. José de Souza e, tomado por uma força estranha e alheia a sua vontade, levantou-se e disse: “Aqui está faltando uma flor”. Saiu da sala na direção ao jardim, voltando logo a seguir com uma flor que colocou no centro da mesa. Essa atitude causou grande tumulto entre os presentes principalmente porque, ao mesmo tempo em que isso acontecia, ocorreram surpreendentes manifestações de Caboclos e Pretos Velhos. O diretor da sessão achou aquilo tudo um absurdo e advertiu-os com aspereza, citando o “seu atraso espiritual” e convidando-os a se retirarem. O senhor José de Souza, médium vidente, interpelou o espírito manifestado no jovem Zélio, e foi aproximadamente, este o diálogo ocorrido:
Sr. José: Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?
O Espírito: Eu sou apenas um caboclo Brasileiro.
Sr. José: Você se identifica como caboclo, mas eu vejo em você restos de vestes clericais.
O Espírito: O que você vê em mim são restos de uma existência anterior. Fui Padre, meu nome era Gabriel Malagrida e, acusado de bruxaria, fui sacrificado na fogueira da Inquisição por haver previsto o terremoto que destruiu Lisboa, em 1775. Mas, em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como caboclo Brasileiro.
Sr. José: E qual é o seu nome?
O Espírito: Se é preciso que eu tenha um nome, digam que eu sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, “pois para mim não existirão caminhos fechados”. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as famílias e que há de perdurar até o fim dos tempos.
No desenrolar dessa “entrevista”, entre muitas outras perguntas, o Sr. José de Souza interrogou se já não bastavam as religiões existentes, e fez menção ao Espiritismo, então praticado, e foram estas as palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas:
“Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu na morte o grande nivelador universal. Rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornam iguais na morte, mas vocês homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Porque não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além? Porque o não aos Caboclos e Pretos Velhos? Acaso não foram eles também filhos do mesmo Deus?”
A seguir, fez uma série de revelações sobre o que estava à espera da humanidade:
“Este mundo de iniquidades mais uma vez será varrido pela dor, pela ambição do homem e pelo desrespeito às leis divinas. As mulheres perderão a honra e a vergonha, a vil moeda comprará caracteres e o próprio homem se tornará efeminado. Uma onda de sangue varrerá a Europa, e quando todos pensarem que o pior já foi atingido, outra onda, muito pior do que a primeira, voltará a envolver a humanidade, e um único engenho militar será capaz de destruir em segundos, milhares de pessoas. O homem será uma vítima de sua própria máquina de destruição”.
A história encarregou-se de mostrar e provar a exatidão das previsões do Caboclo das Sete Encruzilhadas. As duas guerras mundiais, as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki, e a grande degeneração da moral. O poder do dinheiro e o total desrespeito à vida humana são provas incontestáveis do poder de clarividência do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Prosseguindo, diante do Senhor José de Souza, disse ainda o Caboclo das Sete Encruzilhadas:
“Amanhã, na casa onde mora o meu aparelho, haverá uma mesa posta a toda e qualquer Entidade que queira manifestar-se, independentemente daquilo que haja sido em vida, todos serão ouvidos e nós aprenderemos com aqueles Espíritos que souberem mais, e ensinaremos aqueles que souberem menos, e a nenhum viraremos as costas nem diremos não, pois esta é a vontade do Pai”.
(Daí a origem do ponto: “Na mesa de Umbanda vai quem quer, na mesa de Umbanda tem Jesus de Nazaré”)
Sr. José: E que nome darão a esta Igreja?
Caboclo: “Tenda Nossa Senhora da Piedade”, pois da mesma forma que Maria amparou nos braços o filho querido, também serão amparados os que se socorrerem na Umbanda. A denominação de “Tenda” foi justificada assim pelo Caboclo: Igreja, Templo, Loja, dão um aspecto de superioridade, enquanto Tenda ou Cabana faz lembrar uma casa humilde. Ao final dos trabalhos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas pronunciou a seguinte frase: “Levarei daqui uma semente e vou plantá-la nas Neves, onde ela se transformará em árvore frondosa”.
O Senhor José de Souza fez ainda uma última pergunta: “Pensa o irmão que alguém irá assistir o seu culto”? Ao que o Caboclo respondeu: “Cada colina de Niterói atuará como porta-voz anunciando o culto que amanhã iniciarei”.
No dia seguinte, na Rua Floriano Peixoto, n° 30, em Neves, município de São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro, o Caboclo das Sete Encruzilhadas baixou. Na sala de jantar da família Moraes, às vinte horas do dia 16 de Novembro de 1908, um grupo de curiosos Kardecistas e dirigentes da Federação Espírita de Niterói estavam presentes para ver como seriam essas incorporações, para eles indesejáveis ou injustificáveis.
Logo após a incorporação, o Caboclo foi atender um paralítico, curando-o imediatamente. Várias pessoas doentes ou perturbadas tomaram passes e algumas e foram curadas. Ainda nessa mesma noite, o Caboclo das Sete Encruzilhadas avisou que subiria para dar passagem à outra Entidade que desejava se manifestar, e baixou um Preto Velho no médium Zélio, de nome Pai Antônio, um portento de sabedoria e de força espiritual, que parecia sentir-se pouco a vontade frente a tanta gente, e recusando a permanecer na mesa onde se dera a incorporação, procurava passar despercebido, humilde, aparentando muita idade, e mantendo o corpo curvado, o que dava ao jovem Zélio um aspecto estranho, quase irreal, e que despertou um sentimento de solidariedade e compaixão entre os presentes, que perguntaram por que não se sentava à mesa com os demais irmãos encarnados, Pai Antônio respondeu: “Nego num senta não meu Sinhô, Nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de Sinhô branco e Nego deve arrespeitá” e diante dos presentes disse ainda: “Num carece preocupá não, Nego fica no toco que é lugar de Nego”, procurava assim, demonstrar que se contentava em ocupar um lugar mais singelo, para não melindrar nenhum dos presentes.
No final dessa reunião, o Caboclo ditou certas normas para a sequência dos trabalhos, citando em especial: atendimento absolutamente gratuito, o uso de roupas brancas e simples, sem uso de atabaques nem palmas ritmadas, sendo os cânticos baixos e harmoniosos, que não haveria sacrifícios de animais para nenhum tipo de trabalho.
O diálogo do Caboclo das Sete Encruzilhadas, como passou a ser chamado, havia provocado muita especulação, e alguns médiuns que haviam sido escorraçados de mesas Kardecistas por haverem incorporado Caboclos, Crianças ou Pretos Velhos, solidarizaram-se com aquele garoto que parecia não estar compreendendo o que lhe acontecia e que de repente se via como líder de um grupo religioso, obra essa que só terminaria com a sua morte.
Zélio Fernandino de Moraes nasceu no ano de 1891, foi um médium exemplar; ele e o Caboclo das Sete Encruzilhadas conjugaram numa brilhante missão, foram vanguardeiros ostensivos que plantaram as primeiras sementes da reação e do protesto doutrinário, contra as práticas fetichistas das matanças e dos sacrifícios a Divindades etc. Desde o princípio Zélio aprendeu e reafirmava sempre, a última vez em 1972, quando disse taxativamente: “Cumpre acentuar que, na Umbanda implantada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, não é utilizado o sacrifício de aves e de animais, nem para homenagear Entidades, nem para desmanchar trabalhos de magia negra”.
Zélio de Moraes faleceu no dia 04 de Outubro de 1975, e cumpriu de maneira intensa e humilde a sua missão com as Entidades que o acompanhava, e com a Religião de Umbanda.