A Religião de Umbanda encontra-se diante de uma situação curiosa, mas que, mais uma vez, mostra a grandeza da sabedoria de seus mentores. Iniciada em 1908, deparava-se com um mundo muitíssimo diferente de agora, quando o telégrafo, atualmente ultrapassado, era o meio mais rápido de comunicação. Luz elétrica, aviões, computadores, naves espaciais, telefones celulares, internet e muitas outras modernidades tão comuns aos nossos dias, nos idos de 1908, eram coisas inimagináveis para a maioria.
Podemos perceber claramente que o mundo mudou e se desenvolveu nos últimos cem anos, muitíssimas vezes mais do que em toda fase pretérita. Mas e a Umbanda, como ficou ou ficará? Não poderia nem pensar em responder tal questão, até o dia que, procurado por um Guia, este me pediu para que o assunto do próximo estudo (abril de 2009) fosse “A evolução da Umbanda diante da evolução do Planeta”. Tal pedido me deixou surpreso e temeroso, pois, como iria falar de uma coisa que só o plano espiritual tem acesso saber? Foi quando esse espírito, de certo vendo em minha mente essa dúvida, disse-me que me daria direção do que deveria ser esclarecido. Nesse mesmo momento, pediu para que eu pegasse um “escrevedor” e papel e anotasse: “A Espiritualidade Mentora dos Terreiros, em comunhão permanente com o Astral Maior, vem buscando orientar com muita calma e simplicidade (como é comum da parte deles), que a Religião de Umbanda vê com muito bons olhos a evolução tecnológica tanto na área médica, industrial, de comunicações e demais linhas de desenvolvimento e evolução que vive o nosso Planeta, exceto a preocupação excessiva de alguns governantes em desenvolver armas cada vez mais sofisticadas e letais.” E como “casar” essa modernidade, essa evolução com os Terreiros de Umbanda? Aí entra a sabedoria dos Guias! É certo que muitos de nós encarnados iríamos pensar que muito em breve estaríamos vendo Pretos-Velhos trabalhando com microfones embutidos (estilo Ana Maria Braga), consultas via e-mail ou via celular, disque-obrigações, blogs dos Guias ou Terreiros e demais modernidades instaladas nas Casas Umbandistas. É aí, no entanto, que vale muito a sabedoria dos Terreiros, que aceitam as normas como devem ser: De CIMA para BAIXO. As ordens e direções devem ser passadas dos Guias para nós, sem nunca querermos impor nossas vontades ou pensamentos ainda tão distorcidos e errantes para eles, pois a grande questão está na sabedoria dessas entidades em manter a simplicidade das casas e principalmente dos trabalhos, conservando suas formas de manifestações simples e humildes, seu linguajar, seus costumes de benzer, suas rezas, o uso de ervas, seus “pitos” e demais “nunangas” que usavam no início do século passado, que usam hoje e que, segundo esse Preto-Velho, vão continuar usando no próximo século.
O que mudou na Umbanda nesses cem anos? Mudaram as construções, pois eram, em sua maioria, escondidas, tendo em vista que a polícia reprimia de forma voraz a prática do que chamava de bruxaria, feitiçaria, macumbas e demais termos que procuravam para denegrir a Religião de Umbanda. Mudou a iluminação, que no princípio era de lamparinas de querosene na maioria dos Terreiros, passando pela fase do lampião a gás, até chegar à energia elétrica. Mudou no tamanho das casas, que cada vez recebiam mais adeptos e precisavam ficar maiores. Mudou nas vestes, pois no começo do século passado raríssimas mulheres usavam calça (eram até proibidas em repartições e em muitos locais públicos), e da mesma forma que a Umbanda aceitou os costumes dessa época, também acompanhou a evolução natural dos tempos, onde as mulheres passaram a usar calças nos ambientes sociais e também nos Terreiros. Mudou quando deixou de ser praticada basicamente como mediunismo e foi introduzindo o estudo da doutrina em cada vez mais casas. Mudou e vem mudando no sentido de cada vez mais se desligar do sincretismo religioso e das influências do Candomblé ou Culto Afro. Mudou quando deixou de ter que usar o termo “Espírita” nos nomes dos Terreiros (Sem ele não conseguiam filiação junto às federações e liberação para funcionamento). Mudou quando passou a realizar congressos e grandes encontros para discutir o futuro da Religião de Umbanda. Mudou quando passou a contar, em 1956, com o livro “Umbanda de Todos Nós”, obra que descortinou e deu direção doutrinária à nossa religião, de autoria de Woodrow Wilson da Matta e Silva (Mestre Yapacany), nosso maior Mestre Iniciático. Mudou quando cada vez menos passamos a ver aberrações do tipo: Caboclos com cocares na cabeça, Caboclos com elmo (estilo Romano), Caboclos só de tangas com arco e flecha pendurados no pescoço, confusões que as mentes místicas e confusas lutavam de toda forma para introduzir no meio Umbandista, mas que de Umbanda nada tinham. Mudou quando a Religião de Umbanda, que era taxada por outras doutrinas espiritualistas de “mero mediunismo”, obteve credencial do MEC e apresentou a todos a “Faculdade de Teologia de Umbanda”.
Em cada um desses passos, podemos observar a tranquilidade e o apoio dos Guias para as mudanças, bem como o acompanhamento das modernidades que a evolução do nosso mundo trouxe. Entretanto, podemos observar claramente que todas as “modernidades” do nosso mundo não interferiram no andamento das reuniões, ou nas manifestações dessas entidades. Isso se deve a um motivo muito simples: eles possuem a sabedoria de conviver com a “nossa” evolução tecnológica e industrial sem absorvê-la, já que para eles tudo isso é dispensável para os trabalhos. Inclusive, o Preto-Velho que passou esses ensinamentos falou, com todas as letras, que não vemos hoje e nem veremos daqui 10, 20 ou 100 anos um Caboclo, Preto-Velho ou qualquer outro militante da Umbanda falando em telefones celulares, dando consultas via e-mail, mudando a sua forma de trabalhar ou de se manifestar, devido à evolução terrena. Permitem e apóiam o uso dos meios atuais para ações que levem esclarecimentos e orientação sobre a Religião de Umbanda. Por isso, veremos, sim, muitos e muitos Terreiros com seus sites, videoconferências, livros publicados na internet, e demais “modernidades” de nosso mundo que facilitem o acesso ao esclarecimento de um número cada vez maior de adeptos da Umbanda. Temos de entender que os Guias não passam a usar determinadas coisas, para eles “dispensáveis”, como nós fazemos com uma coleção da moda, ou quando vemos uma coisa que nos encanta e passamos a copiar ou comprar para ter e usar.
No final de sua explicação, o Preto-Velho disse que a grande dificuldade que eles, do plano espiritual, encontram, é controlar os impulsos de seus médiuns em alguns aspectos, destacando dois desses: um é o médium atrapalhar a comunicação, introduzindo a ela “modernidades” que não fazem parte da “simplicidade da Umbanda”, como querer instituir a todo custo o uso de isqueiros nas giras, em vez do fósforo; fazer uso de bebidas geladas; fazer uso de músicas no lugar de pontos cantados; médiuns usarem adornos como cordões, pulseiras, brincos, anéis, esmalte, maquiagem, cabelos presos, guias de miçangas plásticas (que não deixa de ser um enfeite, pois não têm nenhum valor energético-vibratório). O outro é a descaracterização dos Terreiros de Umbanda, querendo fazê-los perder a sua essência, que é e sempre será a simplicidade. Não entendem que as Casas Umbandistas não combinam com luxo, mármore, louças nobres, pisos requintados. Isso seria o mesmo que chamar a todos esses sábios Guias que militam na Umbanda de hipócritas, já que pregam insistentemente a simplicidade como forma elevação, nos ensinando que a ostentação é uma fraqueza de nosso espírito. Essas sábias entidades nos dizem que os Terreiros de Umbanda, por maiores em espaço físico que sejam, devem conservar a todo custo a simplicidade, pois quando acolher os ricos, irá fazê-los retirar os pés do mármore de seus lares e trabalhos, para colocarem o pé no “chão da simplicidade” e, quando receber os pobres (que são a maioria), irá fazê-los se sentir à vontade. Como esses Guias, que nos ensinam tudo isso, vão trabalhar em templos regados ao luxo? Imaginemos, então, uma pessoa pobre, que é um assistente normal, quase que padrão nos Terreiros, chegar a um Templo onde impera o luxo no piso, nas paredes, nos assentos, nas louças dos banheiros, em sofisticado sistema acústico. Como o mesmo se sentirá? Certamente, em um Terreiro de Umbanda que não é. Aqueles que constroem esses templos visam trabalhar para um público elitizado, com posses altas ou altíssimas. Mas uma coisa é certa: não é para praticar Umbanda!
Encerrando, o Preto-Velho nos deixou, mais uma vez, a lembrança de uma frase de enorme sabedoria e profundidade: “É na simplicidade que está a grandeza”. Quando os filhos de Umbanda entenderem isso, serão melhores médiuns, melhores pessoas, melhores pais, melhores filhos, melhores Cristãos, e terão entendido a essência da Religião de Umbanda.
Obs.: A nossa evolução, médiuns de Umbanda, está em nos tornarmos capazes de assimilar, através de estudos mais profundos, a grandeza dos trabalhos desses grandes amigos espirituais que se intitulam humildemente de Pretos-Velhos, Caboclos, Crianças e Exus. No entanto, na nossa crassa ignorância, ainda temos que viver mais alguns séculos à frente para compreendermos a Umbanda do Século Passado.
Márcio Coelho